A parcialidade geralmente verificada na interpretação da conquista da Península Ibérica pelos muçulmanos – e das suas conseqüências – se reflete no estudo dos arabismos.
Há pesquisadores que subestimam o influxo sócio-cultural muçulmano e desta postura ideológica resulta inadequado tratamento dos dados lingüísticos, cujo número de empréstimos árabes efetivamente fazem minguar ou reduzem a vocábulos designativos de referentes da vida rural. Dentre os partidários desta ideologia se encontra Francisco Javier Simonet (1829-1897), catedrático de língua árabe na Universidade de Granada, que chega a procurar no moçárabe influxos românicos (ibéricos) e latinos, como se se negasse a reconhecer-lhe traços tomados ao árabe, invertendo o papel de prestígio social do conquistador face ao conquistado e da direção mais provável do influxo (Glosario de Voces Ibéricas y Latinas Usadas entre los Mozárabes, 1888) (CORRIENTE, 1996, p. 2; MACHADO, 1997, p. 113, 114).
Em José Pedro Machado lê-se, por exemplo, que os muçulmanos deixaram, como vestígio da sua presença em solo posteriormente português, apenas dezenas de vocábulos designativos de objetos de primeira necessidade, que não restaram indícios seguros da cultura dos muçulmanos em Portugal e que só há registro da aprendizagem do árabe pelos portugueses quando estes se estabeleceram no Norte da África. Tais afirmações constituem erro histórico que pode, pela distorção da realidade extralingüística, comprometer a descrição histórica da língua de uma comunidade de fala.
O reducionismo encontra na exaltação do influxo muçulmano a sua antítese. O avançado desenvolvimento técnico-científico dos invasores, o refinamento e o luxo que caracterizam as suas cortes (califados e emirados) maravilham pesquisadores, que creditam ao árabe a fonte de inúmeros hábitos ocidentais – lingüísticos ou não. Destarte, o número de arabismos é ampliado por vocábulos que efetivamente não o são, mas que o desejo de se verem herdeiros de brilhante civilização os fez entender enquanto tal. Dozy é representante característico deste grupo ideológico. Observe-se que, ao revisá-lo, ele aumenta significativamente o número de páginas do Dictionnaire de Engelmann.
Ratifique-se a boa intenção destes pesquisadores, cuja boa-fé não se questiona. Apenas se sugere que estudos mais recentes – e não apenas do âmbito da Lingüística, mas da própria História – possibilitam o “ajuste” do quadro, nos pontos em que os seus pintores carregaram nas tintas ou nos quais o registro de uma versão muito subjetiva da realidade desfigurou o objeto retratado, a ponto de não ser mais possível identificá-lo.
Hoje, conhece-se a amplitude do influxo muçulmano na cultura ibérica medieval, decorrente da situação política de dominador, reforçada pelo efetivo avanço técnico-científico nas mais diversas áreas (Medicina, Agricultura, Artes), creditando-se às comunidades cristã e judaica a diferenciação exclusiva pela fé professada, mas aculturadas e arabizadas nos demais aspectos (como vestuário, culinária e diversão). É de se esperar, portanto, que o influxo resultante deste contato de línguas seja mais expressivo do que o apontado por José Pedro Machado (MACHADO, 1997, p. 113, 114, 117; CORRIENTE, 1996, p. 4-5).
Do ponto de vista lingüístico, o romance andaluz, língua românica, é comum às comunidades cristã e judaica, mas, da estreita convivência destas com a língua e a cultura árabes, adquire numerosos empréstimos lexicais, e, mais tarde, quando se acirra a intolerância religiosa por parte das dinastias norte-africanas almôada e almorávida, e a população moçárabe migra sistematicamente em direção ao norte, tais arabismos do romance andaluz são transmitidos aos falares cristãos setentrionais.
Desconhecem-se estudos sobre arabismos introduzidos no português brasileiro pela imigração de muçulmanos oriundos do próprio Oriente Médio, em diferentes fluxos migratórios conhecidos pela sociedade brasileira, apesar de estes deslocamentos configurarem inegável fato histórico. A literatura especializada registra apenas a introdução de vocabulário da culinária pelos imigrantes sírio-libaneses.
Quanto à contribuição afro-muçulmana ao léxico do português americano, cite-se o estudo de Faris Antônio S. Michaele, Arabismos entre os Africanos na Bahia (1968), com análise de inúmeros arabismos de diferentes campos semânticos (religião, alimentos).
A invasão do Afeganistão e do Iraque pelos Estados Unidos da América, conflitos ininterruptos entre israelenses e os vizinhos libaneses e palestinos e o programa iraniano de enriquecimento de urânio tornaram corriqueiras informações sobre o mundo islâmico nos noticiários internacionais e introduziram, pelo menos no léxico passivo dos falantes de português, vocábulos como jihad, intifada, xador, burca, xariá, sura, dentre outros. Entretanto, nem sempre o falante tem consciência de que se trata de arabismos naturalmente transmitidos à língua portuguesa quando a comunidade que a fala é exposta a informações a respeito do outro, aloglota, cujas especificidades culturais são aprendidas com o vocabulário que as designa.
Compartilha informações sobre o influxo da língua árabe na constituição do léxico português e, particularmente, sobre arabismos legados ao português brasileiro por afro-muçulmanos e por imigrantes árabes e/ou muçulmanos. Traz, ainda, informações acerca da dicionarização de arabismos portugueses pela Lexicografia Brasileira.portuguese arabisms; Brazilian portuguese; dictionarization of arabisms/arabismes portugaises; portugais brésilien; dictionnairisation des arabismes.
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Apresentação
Este blog foi criado para compartilhar informações acerca das conseqüências do contato entre as línguas árabe e portuguesa verificado em 03 contextos específicos: a Península Ibérica medieval, o Brasil escravagista e o Brasil da imigração.
A este tema se dedica a autora deste 1992, quando se apaixonou pelo assunto ao preparar o trabalho de conclusão da disciplina Filologia Românica II (sobre o domínio lingüístico ibérico) na graduação em Letras na Universidade Federal da Bahia.
O referido trabalho, sobre o vocábulo azulejo, descortinou um mundo aparentemente perdido, europeu e medieval, mas que, em verdade, continua vivo no Português Brasileiro, nos arabismos transplantados com o Português Europeu, aos quais se juntaram outros, adquiridos já na Terra Brasilis, por meio de escravos islamizados e de imigrantes arabófonos que ainda hoje chegam ao nosso país.
Os arabismos do Português Brasileiro requerem investigação pautada na etnolingüística e na sociolingüística do contato intercomunitário, complementando o que a literatura especializada já documenta, mas que se restringe aos arabismos ibéricos, mencionando, quando muito, o influxo lexical da migração sírio-libanesa no Brasil.
A este tema se dedica a autora deste 1992, quando se apaixonou pelo assunto ao preparar o trabalho de conclusão da disciplina Filologia Românica II (sobre o domínio lingüístico ibérico) na graduação em Letras na Universidade Federal da Bahia.
O referido trabalho, sobre o vocábulo azulejo, descortinou um mundo aparentemente perdido, europeu e medieval, mas que, em verdade, continua vivo no Português Brasileiro, nos arabismos transplantados com o Português Europeu, aos quais se juntaram outros, adquiridos já na Terra Brasilis, por meio de escravos islamizados e de imigrantes arabófonos que ainda hoje chegam ao nosso país.
Os arabismos do Português Brasileiro requerem investigação pautada na etnolingüística e na sociolingüística do contato intercomunitário, complementando o que a literatura especializada já documenta, mas que se restringe aos arabismos ibéricos, mencionando, quando muito, o influxo lexical da migração sírio-libanesa no Brasil.
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