quarta-feira, 16 de setembro de 2009

VIAS DE INGRESSO

Verificam-se arabismos em todas as línguas neolatinas, principalmente no espanhol e no português, mas também no italiano e no francês, podendo a sua integração ao sistema léxico de outras línguas (românicas ou não) ter se dado posteriormente por intermédio de uma língua em que estes abundassem. Esse é o caso do galego, por exemplo, em que alguns arabismos parecem proceder da época da invasão, mas a maioria penetrou na língua a partir do século XIII, por meio do espanhol (GARCÍA DE DIEGO apud BALDINGER, 1963, p. 54-55); é o caso ainda do romeno, cujos arabismos foram adquiridos através do turco (LÜDTKE, 1974, p. 84).
Já os portos mediterrâneos de Gênova, Pisa e Veneza e o domínio árabe na Sicília e na Calábria foram vias de entrada de arabismos no italiano e no francês (LÜDTKE, 1974, p. 84).
Segundo Lüdtke, quatro foram as vias de entrada de arabismos nas línguas européias, apresentadas aqui conforme a sua importância:
a) a presença muçulmana na Península Ibérica e em pequena parte do sul da França;
b) o comércio através do Mediterrâneo, sendo os portos de Gênova, Pisa e Veneza importantes vias de acesso para empréstimos árabes;
c) o domínio árabe na Sicília e na Calábria;
d) o domínio islâmico na Turquia; através do turco, vários arabismos penetraram na România, principalmente no romeno.
A estas vias de ingresso de arabismos na România há de se acrescer outras: Vargens cita a expansão portuguesa pelo norte da África e pela Ásia, além de influxos realizados por afro-muçulmanos e por imigrantes árabes no português do Brasil. Viguera Molins observa que o número de arabismos decorrentes de contatos coloniais entre línguas peninsulares e a árabe em vários territórios é menor, embora a língua portuguesa apresente mais arabismos do que as “irmãs peninsulares” tomados a partir do século XVI (VARGENS, 2007, p. 27; VIGUERA MOLINS, 2002, p. 6).
Modernamente, seria necessário incluir a imprensa, a indústria do entretenimento (cinema, canais pagos de televisão), o mercado literário, as novas tecnologias da comunicação e da informática como inegáveis fontes de aprendizagem de vocábulos árabes por lusofalantes.
Na Idade Média ibérica, a maioria dos arabismos se transmitiu, no caso do português e do espanhol, oralmente, no contato direto entre hispano-godos, habitantes das regiões conquistadas, e muçulmanos; moçárabes e muçulmanos e, enfim, moçárabes e demais cristãos. Esta transmissão oral justificaria a aglutinação do artigo árabe ao substantivo que o segue.
Entretanto, boa parte dos arabismos (termos científicos, sobretudo) se transmitiu através do próprio latim medieval, a que havia chegado por meio das traduções latinas (feitas a partir do século XII) de textos árabes. Nestas traduções, de que geralmente tomavam parte três homens, jamais se seguia o caminho direto árabe-latim medieval, fazendo-se antes o percurso árabe-romance hispânico-latim medieval (leitura de texto escrito-versão oral-fixação por escrito). Este processo, que traz a oralidade como ponte nas traduções do árabe para o latim medieval, fez com que também nestas se encontre um grande número de palavras árabes com o artigo aglutinado. Vale lembrar que muitas palavras árabes introduzidas através destas traduções tornaram-se parte da nossa terminologia internacional (LÜDTKE, 1974, p. 85; HALL JR, 1971, p. 98; VIGUERA MOLINS, 2002, p. 6).
A interferência entre as línguas árabe e românicas se dá, portanto, no âmbito do contato lingüístico, mas também sócio-histórico-cultural, e seu estudo, contextualizado na sócio-história do período em questão, torna-se mais rico e elucidativo.

Referências
BALDINGER, K. Los árabes. In: BALDINGER, K. La formación de los dominios lingüisticos en la Peninsula Ibérica. Madrid: Gredos, 1963. p. 53-75. [Biblioteca Románica Hispánica, Dirigida por Damaso Alonso, Tratados y Monografias, 1]
ELIA, S. Preparação à lingüística românica. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1974.
JACQUART, D. A escola de tradutores. In: CARDAILLAC, L. (org.). Toledo – séculos XII e XIII: muçulmanos, cristãos e judeus – o saber e a tolerância. Trad. por Lucy Maragalhães. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. p. 155-167. (Memória das Cidades)
LAPESA, R. Los árabes y el elemento árabe en español. In: LAPESA, R. Historia de la lengua española. Prólogo de Ramón Menéndez Pidal. 9. ed. corregida y aumentada. 7. reimpressión. Madrid: Gredos, 1991. p. 129-156. [Biblioteca Românica Hispânica, Dirigida por Damaso Alonso, Manuales, 45]
LÜDTKE, H. Historia del léxico románico. Versión española de Marcos Martínez Hernández. Madrid: Gredos, 1974.
MACHADO, J. P. Ensaios arábico-portugueses. Lisboa: Notícias, 1997.
MACHADO, J. P. Influência arábica no vocabulário português. Lisboa: Revista de Portugal, 1950. v. 1.
MENÉNDEZ-PIDAL, R. Mis paginas preferidas: estudios lingüísticos e historicos. Madrid: Gredos, 1957. p. 183-206. (Biblioteca Románica Hispánica, dir. por Dámaso Alonso, VI. Antologia Hispánica).
MENÉNDEZ-PIDAL, R. Orígenes del español: estado lingüístico de la Península Ibérica hasta el siglo XI. 3. ed. muy corregida y adicionada. Madrid: Espasa Calpe, 1950. p. 415-440. (Obras Completas, v. VIII).
SILVA NETO, S. da. História da língua portuguesa. 5. ed. Rio de Janeiro: Presença, 1988.
TEYSSIER, P. História da língua portuguesa. Trad. por Celso Cunha. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 43-44.
VARGENS, J. B. de M. Léxico português de origem árabe: subsídios para os estudos de filologia. Rio Bonito: Almádena, 2007.
VASCONCELOS, C. M. de. Lições de filologia portuguesa. Lisboa: Revista de Portugal, 1956.
VIGUERA MOLINS, M. J. Lengua árabe y lenguas románicas. Revista de Filología Románica, n. 19, p. 15-54, 2002.
WARTBURG, Walther von. La fragmentación lingüística de la Románia. Trad. por Manuel Muñoz Cortés. Madrid: Gredos, 1952. p. 184-186. (Biblioteca Románica Hispánica, dir. por Dámaso Alonso, I. Tratados y Monografias, 1).

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Apresentação

Este blog foi criado para compartilhar informações acerca das conseqüências do contato entre as línguas árabe e portuguesa verificado em 03 contextos específicos: a Península Ibérica medieval, o Brasil escravagista e o Brasil da imigração.
A este tema se dedica a autora deste 1992, quando se apaixonou pelo assunto ao preparar o trabalho de conclusão da disciplina Filologia Românica II (sobre o domínio lingüístico ibérico) na graduação em Letras na Universidade Federal da Bahia.
O referido trabalho, sobre o vocábulo azulejo, descortinou um mundo aparentemente perdido, europeu e medieval, mas que, em verdade, continua vivo no Português Brasileiro, nos arabismos transplantados com o Português Europeu, aos quais se juntaram outros, adquiridos já na Terra Brasilis, por meio de escravos islamizados e de imigrantes arabófonos que ainda hoje chegam ao nosso país.
Os arabismos do Português Brasileiro requerem investigação pautada na etnolingüística e na sociolingüística do contato intercomunitário, complementando o que a literatura especializada já documenta, mas que se restringe aos arabismos ibéricos, mencionando, quando muito, o influxo lexical da migração sírio-libanesa no Brasil.