segunda-feira, 5 de novembro de 2012


ARABISMOS DO PASAPORTE 1A:
EXCLUSIVAMENTE ESPANHÓIS OU TAMBÉM PORTUGUESES?[1]

1. INTRODUÇÃO
Esta comunicação tem por objeto arabismos ibéricos documentados no livro didático Pasaporte 1A (ARAGÓN; GILL; BARQUERO, 2009), utilizado nos dois primeiros semestres do Curso de Extensão em Língua Espanhola da Universidade Federal do Piauí. Tem como objetivo conhecer arabismos espanhóis que integram o vocabulário básico da língua e a existência de cognatos portugueses.
Busca responder à questão: “Há cognatos portugueses dos arabismos espanhóis documentados no livro Pasaporte 1A?” Consideram-se arabismos vocábulos que têm origem na língua de Maomé. A hipótese testada é a de que há arabismos portugueses, cognatos dos arabismos espanhóis encontrados no livro didático Pasaporte 1A, cujo uso foi preterido por sinônimos de origem diversa.
Corroborou-se a origem árabe dos termos espanhóis no Diccionario de Arabismos y Voces Afines en Iberorromance (CORRIENTE, 2003), buscando-se os cognatos portugueses também na versão eletrônica do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS; VILLAR, 2001) e no Léxico Português de Origem Árabe (VARGENS, 2007).
Os arabismos espanhois são apresentados segundo ordenamento alfabético em verbetes que trazem a forma documentada no Pasaporte 1A – livro texto e livro de exercícios – e o cognato português, quando há, eventualmente seguidos de comentários.

2. ARABISMOS IBÉRICOS: HERANÇA DE UMA SÓCIO-HISTÓRIA COMPARTILHADA
                As línguas peninsulares têm, na constituição do seu sistema lexical, um componente particular que as diferencia dos demais idiomas românicos: a grande contribuição da língua corânica, sua 2ª fonte de empréstimos vocabulares, o que a coloca atrás apenas da língua latina, sobretudo no que respeita ao espanhol e ao português (VASCONCELOS, 1953, p. 333).
                A própria disposição dos atuais domínios linguísticos peninsulares resulta do processo de retomada aos árabes dos territórios por eles ocupados ao longo de boa parte da Idade Média ibérica, no que se conhece por Reconquista, quando os reinos cristãos, estão encolhidos nas montanhas nortenhas, se expandem verticalmente em direção ao sul, legando à Península Ibérica três largas faixas nas quais se falam, da esquerda para a direita, o português, o espanhol e o catalão (ILARI, 1998, p. 170).
                Mas nem sempre foi assim. Conforme já se assinalou, a Península Ibérica conheceu uma divisão pautada na religião professada pelos seus habitantes: a Espanha, cristã, ao norte e Alandalus, muçulmano, ao sul. O termo Espanha (< lat. Hispanĭa), então, designava tão só as regiões ibéricas anteriormente integrantes da Hispanĭa Romana. Já Alandalus constituía uma entidade política arábigo-islâmica cuja história esteve em sua maior parte estreitamente ligada à política norte-africana (THORAVAL, 1996, p. 30; 117-121).
                Uma parte da população cristã de Alandalus acabou por arabizar-se em vários aspectos, a exceção do religioso: na vestimenta, nas diversões, na alimentação. Sua língua românica, com efeito, a par de se enriquecer com inúmeros arabismos, passou a ser grafada com caracteres árabes. Sua língua é equivocadamente dita moçárabe, designação atribuída aos seus falantes, por indicar-lhes sua participação em cultura híbrida, árabo-românica (< lat. mixti arabi). Preferem-se, entretanto, os termos romance andalusino ou romandalusino, que identificam-na enquanto evolução natural do sermo hispanĭcus, falada na região de Alandalus, sem que o seu uso se restringisse aos hispano-godos arabizados, uma vez que, com efeito, este se estendia igualmente a muçulmanos e a judeus (CORRIENTE, 1996, p. 05).
                Os deslocamentos humanos provocados por conflitos étnico-religiosos, quando moçárabes se refugiavam ao norte, junto a seus correligionários, bem como cristãos do norte se aventuravam ao sul, promoveram a difusão de arabismos nos demais romances – posteriormente línguas – peninsulares (CORRIENTE, 1996, p. 06).
                Em virtude do compartilhamento de diferentes momentos de sua sócio-história, o espanhol e o português têm em comum parte do seu vocabulário, aí inclusos os arabismos. Os arabismos compartilhados pelo espanhol e pelo português são os ibéricos medievais, uma vez que o português europeu adquirirá novos arabismos, em virtude da expansão ultramarina dos seus domínios políticos, na África e nas “Índias” (Oriente), a partir do século XVI. Mais adiante ainda, a partir de fins do século XVIII, mas sobretudo ao longo do século XIX, a variedade americana da língua portuguesa terá o seu léxico enriquecido com a contribuição de arabismos africanos, introduzidos no Brasil por intermédio de línguas africanas faladas por escravos islamizados oriundos do Oeste-Africano (região entre o Senegal e a Nigéria, hoje) e, mais recentemente, pelo árabe dos imigrantes sírio-libaneses, palestinos e de outras procedências (Iraque e Afeganistão, por exemplo).
                Os arabismos ibéricos medievais são de antiga integração nos sistemas lexicais dos romances ibéricos/línguas peninsulares e sua completa adaptação aos sistemas fonológico e morfológico destas muitas vezes impossibilitam a percepção de sua origem médio-oriental.
                Elcock (apud ELIA, 1974, p. 109) estima que os arabismos ibero-românicos somassem cerca de 4.000 itens lexicais, cifra que Lapesa (1991, p. 97) apresenta para a língua espanhola hoje. Piel (1989, p. 10) afirma que 8% do léxico espanhol é de origem árabe.
               
3. METODOLOGIA
Para analisar a existência de cognatos portugueses dos arabismos documentados no livro didático para ensino de espanhol como língua estrangeira Pasaporte 1A (ARAGÓN; GILL; BARQUERO, 2009), procedeu-se ao levantamento dos termos tanto no livro texto como no caderno de exercícios, unidade por unidade.
Confirmou-se a origem árabe do vocabulário levantado no Diccionario de Arabismos y Voces Afines en Iberorromance (CORRIENTE, 2003), o qual apresenta, ao final dos verbetes, cognatos intrarromânicos dos termos dicionarizados. Buscaram-se, em seguida, os cognatos portugueses no Lexico Português de Origem Árabe: Subsídios para Estudos de Filologia (VARGENS, 2007) e na versão eletrônica do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (HOUAISS; VILLAR, 2001).
                Levantaram-se no corpus arabismos aqui apresentados em ordem alfabética, em verbetes que trazem o vocábulo espanhol em letras maiúsculas e seu significado, se inexistente em português, seu cognato português em letras maiúsculas com seu significado, se diferente do significado em espanhol. Apresentam-se, eventualmente, comentários em nota de rodapé.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
                Os arabismos encontrados no livro texto de no caderno de exercícios do livro didático Pasaporte 1A (ARAGÓN; GILL; BARQUERO, 2009) são:

ACEITE – AZEITE.
ACEITUNA – AZEITONA.
AJEDREZ – XADREZ.
ALBÓNDIGAS – ALMÔNDEGAS.
ALCÁZAR – ALCÁCER.
ALCACHOFAS – ALCACHOFRA.
ALMACÉN – ARMAZÉM.
AHORRADOR ‘ econômico, poupador’.[2]
ARRABAL – ARRABALDE ou ARREBALDE.
ARROZ – ARROZ.
ATÚN – ATUM.
AZAFATA  (arc.) ‘aia’; (mod.) ‘comissária de bordo’ – AÇAFATA (arc.) ‘aia’.
AZAFRÁN – AÇAFRÃO.
AZÚCAR – AÇÚCAR.
BARRIO – BAIRRO.
CAFÉ – CAFÉ.
CAFETERÍA – CAFETERIA.
CERO – ZERO.
HASTA – ATÉ.
GAZAPO ‘embuste, mentira’.
GAZPACHO ‘salada de verduras trituradas’.[3]
GUITARRA – GUITARRA[4].
JARRA – JARRA.
JIRAFA – GIRAFA.
LIMÓN – LIMÃO.
MEDINA – MEDINA.
MEZQUITA – MESQUITA.
NARANJA – LARANJA.
QUIOSCO – QUIOSQUE.
YOGUR – IOGURTE.
ZANAHORIA – CENOURA.
ZAPATERÍA – ZAPATARIA.
ZAPATO – SAPATO.
ZUMO – SUMO.

                Os arabismos documentados no livro texto e no caderno de exercícios da obra didática Pasaporte 1A (ARAGÓN; GILL; BARQUERO, 2009) somam 34 itens lexicais, 30 deles com cognatos portugueses de igual valor semântico e com semelhança fonética.
Apenas outros 04 itens demandam alguma consideração para que um falante de português os empregue adequadamente: ahorrador, embora compartilhe a raiz com outras formas portuguesas (como forro), não encontra um cognato com o sentido de ‘poupador’ em português; azafata, no sentido de ‘ comissária de bordo’, não é expresso pelo cognato açafata, ‘fidalga a serviço de damas da família real’ (HOUAISS, 2001) e cuja obsolescência é percebida no verbete do Léxico Português de Origem Árabe (VARGENS, 2007, p. 83), com verbos no pretérito imperfeito e remissão a documento de meados do século XVIII.
Dois vocábulos, entretanto, não encontram cognatos portugueses: gazapo e gazpacho.
Assim, distribuem-se os arabismos espanhois em aqueles com igual valor semântico, com uso distinto e sem cognatos em português, conforme ilustra a tabela 01 a seguir.

TABELA 01 – Arabismos espanhois e cognatos portugueses.

ARABISMOS
ESPANHOIS
ITENS
LEXICAIS
NÚMERO DE
ITENS LEXICAIS
PERCENTUAL




COM COGNATOS
PORTUGUESES D
 IGUAL SENTIDO




COM COGNATOS
PORTUGUESES
SEM EQUIVALÊNCIA
DE SENTIDO


SEM COGNATOS
PORTUGUESES


Aceite, aceituna,  etc.







Ahorrador
Azafata






Gazapa
Gazpacho

30






02






02
88,2






5,9







5,9
Total
     ---
34
100

                O percentual elevado de cognatos com semelhança fônica e igual sentido (88,2%) atesta a sócio-história compartilhada pelos falares românicos do domínio linguístico ibérico, mormente os idiomas aqui representados.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considerando a questão norteadora deste estudo, se há cognatos portugueses dos arabismos espanhóis documentados no livro Pasaporte 1A, a análise dos dados apenas expostos permitem-nos dizer que sim, pois 30 dos 34 itens lexicais levantados têm um cognato em português, o que corresponde a 88,2% do total.
Quanto à hipótese testada, de que há arabismos portugueses, cognatos dos arabismos espanhóis encontrados no livro didático Pasaporte 1A, cujo uso foi preterido por sinônimos de origem diversa, podemos dizer ser verdadeira para 5,9% dos cognatos portugueses: o paradigma semântico de forro, alforria, aforriar, etc. não se relaciona, em português, com o conceito de ‘poupar’, ‘ economizar’, ainda que juntar economias permitisse a escravos a compra da sua liberdade, de modo que se usa o termo de origem latina poupador para expressar a ideia de ‘pessoa que guarda dinheiro’; tampouco o arabismos português açafata sofreu expansão semântica, sendo preterido, na designação da ‘comissária de bordo’, por aeromoça , híbrido de forma grega (aero-) e forma de origem obscura (moça) ou pela perífrase descritiva da sua função (comissária de bordo).


REFERÊNCIAS
ARAGÓN, M. C.; GILL, Ó. C.; BARQUERO, B. L. Pasaporte 1A. Madrid: EDELSA, 2009.
CORRIENTE, F. Diccionario de arabismos y voces afines en iberorromance. 2. ed. ampl. Madrid: Gredos, 2003. [Biblioteca Románica Hispánica, Fundada por Dámaso Alonso, Diccionarios, 22]
CORRIENTE, F. Novedades en le estudio de los arabismos en iberorromance. Revista Española de Lingüística, 26, 1, p. 1-13, 1996.
ELIA, S. Preparação à linguística românica. 1974.
HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0.10. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006. 1 CD-ROM.
ILARI, R. Introdução à linguística românica. São Paulo: Ática, 1999.
THORAVAL, Y. Diccionario de civilización musulmana. Barcelona: Larousse Planeta, 1996.
VARGENS, J. B. de M. Léxico português de origem árabe: subsídios para os estudos de filologia. Rio Bonito: Almádena, 2007.
VASCONCELOS, C. M. de. Lições de filologia portuguesa. Lisboa: Revista de Portugal, 1956.


[1] Comunicação apresentada na VIII Jornada de Literaturas e Culturas Ibéricas da UFPI, em maio de 2012.
[2] Corriente (2003, p. 165) correlaciona o vocábulo espanhol ahorrar com as formas portuguesas aforrar e aforramento, a que podemos acrescentar forro e alforria. Não discute, entretanto, a evolução semântica a partir do étimo árabe andalusino (al)húrr < clássico hurr ‘livre’.
[3] De acordo com Corriente (2003, p. 332), trata-se antes de um vocábulo romandalusino, gazp(el)áčo < lat. gāzŏphylācĭum < gr. gazophylákion ‘escova (de igreja)’, designação metaforicamente atribuída à caixa em que se guardavam esmolas, porque nela os fieis colocavam moedas de baixo valor e até migalhas de pão. A metáfora toma por base a mistura encontrada nas caixinhas de esmola.
[4] Hoauiss (2001) informa serem violão e guitarra sinônimos em português, sendo que  guitarra < ár. kītâra < gr. kithára.

domingo, 4 de novembro de 2012


A FILOLOGIA ÁRABO-ROMÂNICA E A ROMANIA ARABICA NO BRASIL

1. A FILOLOGIA ÁRABO-ROMÂNICA
Designa-se Filologia Árabe-Românica a ciência da Romania Arábica, isto é, o ramo da Filologia Românica que tem por objeto as consequências do contato verificado entre a língua árabe e diferentes romances e, posteriormente, entre aquela e línguas românicas.
O loco de contato é a Romania Arabica, espaço linguístico-cultural compartilhado por comunidades de língua materna diversa, geralmente arabófonas e culturalmente arábico-islâmicas, de um lado; de outro, falantes de neolatim e cristãs (CORRIENTE, 2006, p. 81-82).
É difícil estabelecer limites espaço-temporais para a Romania Arabica, dado que o contato entre o árabe e línguas novilatinas não se dá exclusivamente em solo ibérico, verificando-se também no Norte da África e em outras regiões da Europa Ocidental, bem como se reflete ainda hoje nas línguas espanhola e portuguesa e nas variedades européia e americana destas (CORRIENTE, 2006, p. 82-83). Há de se considerar, ainda, episódios contemporâneos da política internacional concernentes ao Oriente Médio e à África, dos quais resultam migrações e novos contatos entre arabófonos e falantes de línguas neolatinas, inclusive do português brasileiro.
Tradicionalmente, a literatura especializada aborda quase exclusivamente as consequências do contato do árabe com romances ou neolatins ibéricos, verificados ainda na Idade Média, fato de que resultam temas elencados como importantes na pesquisa em Filologia Árabe-Românica, a exemplo de:
a) influência do árabe e do berbere nos romances peninsulares;
b) influência do romance hispânico nos falares árabes andalusinos;
c) surgimento do romandalusino (conjunto de dialetos do romance meridional, equivocadamente dito moçárabe);
d) uso eventual do romance por poetas arabófonos e hebreus em harajāt de muhwaššahāt;
e) uso do romance hispânico e de línguas novilatinas por mudéjares e mouriscos;
f) atavismos culturais andalusinos na civilização hispânica na Europa e nas Américas (CORRIENTE, 2006, p. 83).
            No que concerne a contatos luso-árabes mais recentes no Brasil e a importação de material léxico árabe pelo português brasileiro, enfatiza-se a necessidade de se investigarem, na perspectiva da sociolinguística, influxos da língua árabe em variedades diatópicas do português brasileiro decorrentes da integração de imigrantes muçulmanos à nossa sociedade, tema inexplorado pela Linguística brasileira (MARANHÃO, 2010, p. 7).
            Considerando-se exclusivamente o sistema lexical do português brasileiro é preciso investigar, por exemplo:
a)      a sobrevivência de arabismos introduzidos por afro-muçulmanos em variedades diatópicas e diacrônicas de áreas nas quais estiveram presentes, como a Bahia;
b)      a sua ocorrência em diferentes gêneros textuais, em documentos produzidos por e/ou sobre afro-muçulmanos, ontem e hoje, inclusive em textos lítero-musicais;
c)      o influxo da imigração muçulmana contemporânea em variedades diatópicas do português brasileiro de áreas em que a presença muçulmana é quantitativamente importante, por meio de pesquisa de campo sociolinguística;
d)     história externa do contato luso-árabe, com descrição das relações estabelecidas pelas línguas em contato (prestígio, funções, graus de domínio, correlação da migração em rede e da diglossia no âmbito do próprio árabe e suas consequência no processo de aquisição e uso da língua portuguesa);
e)      relações linguísticas e literárias da literatura de cordel com a literatura popular, oral, ibérica e a tese de origem arábica desta;
f)       preservação de arabismos herdados do português europeu em variedades diatópicas, distráticas e diacrônicas do português brasileiro;
g)      a recente introdução de estrangeirismos de origem árabe na língua portuguesa por meio da mídia e da literatura estrangeira médio-oriental.
Federico Corriente, principal investigador dos arabismos ibéricos na atualidade e autor do Diccionario de arabismos y de vocês afines em iberorromance, publicado em 1999 e reeditado, em versão ampliada, em 2003, bem como de estudos sobre o árabe andalusino, enfatiza a precária formação dos filólogos que abraçam a empreitada de investigar arabismos, pois, em geral, desconhecem a língua árabe. Assim, propõe, para o estudo das consequências da interferência romano-árabe na Península Ibérica, um aprimoramento metodológico, a partir do estabelecimento de grupos de pesquisa que envolvam especialistas das várias áreas concernentes à investigação, quais sejam arabistas, romanistas, berberólogos, iranistas, etc., reunindo conhecimentos sobre variedades diversas do ibero-romance e da língua árabe e das realidades culturais da Europa Ocidental e do mundo islâmico. Por outro lado, faz-se necessário o abandono de posicionamentos ideológicos essencialistas, os quais ou desvalorizam a contribuição cultural islâmica no Ocidente ou ignoram as raízes hispânicas da cultura andalusina (CORRIENTE, 2006, p. 90-91).
Paralelamente, a investigação do influxo árabe no léxico do português brasileiro demanda a constituição de grupos complexos de pesquisa, envolvendo linguistas, historiadores, sociólogos, antropólogos, etc. que possam descrever as relações sócio-históricas estabelecidas entre as diferentes comunidades em contato e as suas consequências linguístico-culturais.



2. HERANÇA LINGUÍSTICO-CULTURAL ÁRABE NO BRASIL
Câmara Cascudo, em ensaio etnográfico sobre a herança cultural africana (moura) e médio-oriental (árabe) introduzida no Brasil pelo colonizador português, ou adquirida no Brasil por meio de sudaneses e sírio-libaneses, identifica-a em todo o território nacional, em vários aspectos insuspeitos, senão vejamos:
No que respeita à vida cotidiana, cita o torço, o barrete e a alpercata, na indumentária (CASCUDO, 2001, p. 17-18, 20, 27); na alimentação, a doçaria pautada em gemas de ovos, farinha de trigo e açúcar, a que equivocadamente creditamos origem portuguesa, bem como o cuscuz e o arroz doce (CASCUDO, 2001, p. 25); na equitação, o amor ao cavalo, herança árabe, o modo mouro de cavalgá-lo, valendo-se do estribo curto de caçamba, da espora de rosetas e do chicote de couro, o acicatar os animais nas espáduas, as cavalgatas noturnas para o furto de animais encontrados no campo sem vigilantes (CASCUDO, 2001, p. 25-26); o aboio sobrevivente no Nordeste, “documento impressionante do canto oriental”, “Longo e assombroso testemunho da legítima melodia em neumas, recordando a prece da tarde, caindo do alto dos minaretes” (CASCUDO, 2001, p. 25); o tirar a sorte pela escolha de varetas ou palhas de tamanhos diversos, perdendo aquele que tirar a peça mais curta, jogo pré-islâmico, “reminiscência da Caldéia” (CASCUDO, 2001, p. 23).
Dentre os costumes, a reclusão feminina, cujo convívio social com o sexo oposto era restrito àqueles intimamente aparentados, como pai, irmãos, padrinho e esposo, tradição comum no interior de todo o Brasil, no século XIX (CASCUDO, 2001, p. 23-24); no sertão, a recepção, fora do corpo da casa (no alpendre, por exemplo), das “visitas de passagem ou de negócios rápidos” (CASCUDO, 2001, p. 30); o hábito de beijar um documento oficial e de colocá-lo sobre a cabeça, herança da etiqueta oriental significando o seu irrestrito acato, de cuja observância no Brasil há inúmeros testemunhos (CASCUDO, 2001, p. 21-22); o beijar a própria mão, ato do cerimonial popular brasileiro, indicando “homenagem ao interlocutor ou carinhosa saudação ao distante” (CASCUDO, 2001, p.29-30); a saudação com todo o braço direito, ou com ambos os braços, nas despedidas (CASCUDO, 2001, p. 30); o gesto para chamar alguém, mexendo os dedos para cima, com a mão em supinação (CASCUDO, 2001, p. 29).
E, ainda, o sentar-se sobre as pernas dobradas, o servir uma refeição diretamente no chão limpo, dispondo os pratos “diretamente no solo nu (...), os convivas sentados em terra”, bebendo apenas depois de comer (CASCUDO, 2001, p. 21); a imprecisão com que se informa uma distância a ser percorrida, verbalizada no “- É ali!”, ao que acompanham o estender dos lábios e o erguer o queixo (CASCUDO, 2001, p. 29); o entortar a boca, indicando desdém, bem como o morder os dedos, expressando “cólera, desacordo, protesto”  (CASCUDO, 2001, p. 30-31); as vinganças resultantes do dever sagrado de vingar o assassinato de membros da família, verificadas nas inimizades entre famílias do sertão nordestino (CASCUDO, 2001, p. 30); a superstição, combatida por Maomé já nos primórdios do século VII, de não entrar e sair por uma mesma porta (CASCUDO, 2001, p. 28).
O rogar pragas, segundo Câmara Cascudo, também constitui herança moura, em suas palavras “a grande arma, instintiva e natural, do mouro sem defesa” (CASCUDO, 2001, p. 36); os vocativos familiares “homem de Deus”, “criatura de Deus” e filho de Deus”, as duas primeiras “fórmulas realmente muçulmanas, relativas ao espírito associativo da fraternidade sobrenatural”, a terceira “diametralmente oposta à teologia do Islã”, segundo a qual a divindade não pode gerar descendentes (CASCUDO, 2001, p. 37); as expressões “só Deus sabe” e “sabe Deus”, registrando a onipotência divina (CASCUDO, 2001, p. 38); as numerosas invocações do tipo “pelo poder de Deus”, “pela graça de Deus”, “Deus me ensinou o que eu não sabia”, “Deus que tudo sabe”, “Deus que é mestre”, “a Deus querer” e “Deus querendo”, oriundas do formulário muçulmano e encontradas no Corão (CASCUDO, 2001, p. 34, assim como a associação do paraíso à “sombra e água fresca”, ambas citadas no Corão como características do Paraíso islâmico (CASCUDO, 2001, p.38).
No folclore, as mães-d’água, as quais, além do canto sedutor, enriquecem quem as desencanta, numa convergência com as mouras-encantadas, que tinham esse atributo (CASCUDO, 2001, p. 18-19); contos populares das Mil e Uma Noites e episódios de outras fontes clássicas teriam sido introduzidas em Portugal e trazidas posteriormente ao Brasil, bem como estórias “ligadas aos ciclos d’alta antiguidade arábica”, pela escravaria originária da África Ocidental (CASCUDO, 2001, p. 28).
Na arquitetura, reixas, muxarabiês, molduras de janelas, portas interiores. Do mobiliário, os sofás amplos e baixos, escabelos, estrados e palaquins (CASCUDO, 2001, p. 25). Na música, o uso de instrumentos orientais como o adufe (pandeiro redondo ou triangular) e o tamborim, aquele “percutido na cidade do Salvador no fim do século XVI e sempre por mão feminina” (CASCUDO, 2001, p. 27); a entonação lastimosa, com modulação lenta e doce, os finais em rallentados, o timbre nasal do canto sertanejo do passado, com ausência de contracanto, levemente feito por instrumentos, nos intervalos do canto, herança moura no modo de cantar (CASCUDO, 2001, p. 35). Na dança, o sarambeque, “dança africana aclimatada em Minas Gerais” (GALLET apud CASCUDO, 2001, p. 20), variante da sarabanda berbere (CASCUDO, 2001, p. 20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS
           
Do quanto se expôs, evidencia-se ainda encerrar a Romania Arabica mistérios que hão de render à Filologia Árabo-Românica diversos trabalhos acadêmicos.
Concluiu-se pela corroboração da hipótese testada, de que aos temas da Filologia Árabo-Românica, em geral buscados na Península Ibérica medieval, correspondem outros, oriundos da história contemporânea do Brasil e da constituição do léxico do português brasileiro, uma vez que:
a) a presença de elementos étnicos árabes ou arabizados, muçulmanos ou não, no território brasileiro se verifica sistematicamente desde fins do século XVIII;
b) introduzidos no Brasil pelo colonizador português ou, posteriormente, por escravos islamizados e pela imigração árabe e/ou muçulmana, a cultura brasileira encerra características cujas origens remotas estão no Oriente Médio;
c) a literatura especializada em Filologia e Linguística não contempla o contato luso-árabe decorrente da imigração muçulmana ora em curso no Brasil, carente, ainda, de investigações;
d) a amplitude temática verificada, no que concerne ao contato luso-árabe no Brasil, demanda a constituição de grupos heterogêneos de pesquisa, que contemplem os aspectos sócio-históricos, político-econômicos e linguístico-culturais do referido contato.
            Retomando, portanto, a questão norteadora deste estudo, a saber, “Aplica-se a Filologia Árabo-Românica ao contexto sócio-histórico e linguístico do Português Brasileiro?”, podemos responder afirmativamente, cabendo tanto uma revisão da literatura sobre o contato luso-árabe no Brasil, a partir da Sociolingüística do contato intercomunitário, quanto propriamente Lingüística, com a revisão dos termos atribuídos à presença afro-muçulmana no Brasil escravagista e à integração de imigrantes árabes e/ou muçulmanos à sociedade brasileira, bem como com a investigação do registro lexical em documentos relacionados a tais presenças no Brasil e à pesquisa sociolingüística/dialetológica nos locais de migração muçulmana, mormente nas regiões sudeste e sul do país.


REFERÊNCIAS

CASCUDO, L. da C. Presença moura no Brasil. In: CASCUDO, L. da C. Mouros, franceses e judeus: três presenças no Brasil. 3. ed. São Paulo: Global, 2001. p. 15-39.

CORRIENTE, F. Romania Arabica: uma questão não resolvida de interferência cultural na Europa Ocidental. Signum, n. 8, p. 81-91, 2006.

DOBRONRAVIN, N. Escritos multilíngues em caracteres árabes: novas fontes de Trinidad e Brasil no século XIX. Afro-Ásia, n. 31, p. 297-326, 2004.

FÍGOLI, L. H. G.; VILELA, E. M. Migração internacional, multiculturalismo e identidade: sírios e libaneses em Minas Gerais. XIV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, Caxambu/MG, 20 a 24 de setembro de 2004.

LOVEJOY, P. Jihad e escravidão: as origens dos escravos muçulmanos da Bahia. Topoi, Rio de Janeiro, p. 11-44, 2000.

MARANHÃO, S. de M. Arabismos no Português Brasileiro (II): o influxo da imigração árabe e/ou muçulmana. Semana de Humanidades (VI). Anais. Fortaleza: UFC/UECE, 2010.

MONTEÏL, V. O Islão na África Negra. Afro-Ásia, n. 4-5, p. 5-22, 1967.

MONTENEGRO, S. M. Identidades muçulmanas no Brasil: entre o arabismo e a islamização. Lusotopie, v. 2, p. 59-79, 2002.

QUIRING-ZOCHE, R. Luta religiosa ou luta política? O levante dos malês da Bahia segundo uma fonte islâmica. Afro-Ásia, n. 19-20, p. 229-238, 1997.

REICHERT, R. Os documentos árabes do Arquivo Público do Estado da Bahia – 3ª série: amuletos, exercícios de escrita, etc: editados, transcritos, traduzidos e comentados. Afro-Ásia, n. 6-7, p. 127-158, 1968.

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EMPRÉSTIMOS E ESTRANGEIRISMOS DE ORIGEM ÁRABE NA LITERATURA FICCIONAL EM LÍNGUA PORTUGUESA INTRODUÇÃO Este estudo tem por objeto arabismos empregados na literatura ficcional contemporânea, com o intuito de analisar a ocorrência de formas integradas (empréstimos) e menos integradas, em geral adquiridas mais recentemente (estrangeirismos). A ausência de investigações sistemáticas sobre o contato português-árabe na contemporaneidade e suas conseqüências no português brasileiro, assim como a descrição, pela literatura especializada, quase restrita à de arabismos integrados ao sistema lexical português na Idade Média ibérica justificam esta pesquisa. Buscaram-se os arabismos nas obras Al-Gharb – 1146: viagem onírica ao “Portugal” muçulmano (XAVIER, 2004) e Vida Dupla: um romance sobre o Oriente Médio hoje (ALSANEA, 2007). A teoria empregada na análise dos dados procede da Lingüística Antropológica, que correlaciona linguagem e cultura, conforme preconizada por Sapir (1980 [1921]) e por Bloomfield (2005 [1933]). A hipótese testada é de que empréstimos e estrangeirismos, em cada texto que constitui o corpus, refletem necessidades designativas distintas, de momentos sócio-histórica e culturalmente bastante diferenciados de contato árabo-românico: na obra Al-Gharb, os empréstimos de origem árabe têm maior representatividade numérica, bem como presença em maior número de campos semânticos, ao passo que os estrangeirismos designam exclusivamente particularidades políticas, culturais e religiosas do mundo árabe-muçulmano. Por sua vez, em Vida Dupla há menos empréstimos do que estrangeirismos, aqueles se restringindo a vocábulos de uso mais freqüente na língua portuguesa, e a estes últimos cabendo a expressão de peculiaridades culturais e religiosas médio-orientais. Concluiu-se pela corroboração da hipótese investigada. METODOLOGIA A escolha das obras que constituiriam o corpus se deu a partir dos seguintes critérios: a) serem de publicação recente; b) referirem-se ao mundo árabe-muçulmano e c) contemplarem contextos distintos de contato árabo-românico. Assim, selecionaram-se as obras Al-Gharb – 1146: viagem onírica ao “Portugal” muçulmano e Vida Dupla: um romance sobre o Oriente Médio hoje para constituir o corpus de pesquisa. Em se tratando este trabalho de uma amostra de empréstimos e estrangeirismos de origem árabe em textos produzidos em língua portuguesa, e constituindo uma reflexão inicial sobre a presença de estrangeirismos dessa língua-fonte no português brasileiro contemporâneo, limitou-se a extensão do corpus a cerca de 10 páginas de cada obra, assim especificadas. De Al-Gharb – 1146 se extraíram os capítulos “Meu pai projeta castelos” (p. 17-18), “O Gharb, polígono de paz e terra de tolerância” (p. 91-94) e “Paisagens, cores e perfumes do Mira” (p. 101-105), perfazendo um total de 11 páginas. Em Vida Dupla se recolheram os capítulos “As garotas gravitam em torno do grande dia de Gamrah, cada uma a seu modo” (p. 24-29), “Hamdan, o rapaz lindinho de cachimbo” (p. 203-205) e “Lamees se casa com o primeiro e único amor da sua vida” (p. 211-216), excluindo-se o e-mail da narradora com que soem ter início os capítulos, e totalizando, assim, 12 páginas. Os arabismos são apresentados, em ordem alfabética, em duas partes, concernentes a cada um dos textos em que foram buscados. As listas trazem o lema, categorias gramaticais das formas menos evidentes ou integrantes de mais de uma categoria, acepção documentada nos textos, para os vocábulos não pertencentes à língua comum, bem como variantes registradas no corpus e abonação com indicação da(s) página(s) em que ocorrem. A entrada nas listagens se dá na forma masculina singular. Quando não ocorrem no corpus nestas formas básicas, a mesma é registrada como entrada entre colchetes, indicando interferência do pesquisador. Quando, além da forma básica, ocorrem flexionadas, estas são indicadas como sub-entradas daquelas. Também se registram variantes de um vocábulo. Para os estrangeirismos, registra-se o gênero atribuído pelo autor ou pela tradutora, conforme a obra em que se acham documentados. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Registram-se, nos fragmentos selecionados de Al-Gharb (XAVIER, 2004), os seguintes vocábulos árabes ou que têm na língua árabe a sua origem: Açude – “(...) as marés do rio, retidas numa represa, ou açude, e depois dela libertadas através de comportas (...).” p. 104. Adobe – 1. Tijolo feito com argila secada ao sol. 2. Pedra lisa e arredondada encontrada nos rios. “Deparamo-nos, outras vezes, com humildes cabanas de adobe (...).” p. 102. Al-Kibla – s.m. Uma das divisões da Espanha, consoante a geografia árabe; região sul, do meio-dia. “Os reinos dos cristãos, por seu turno, situam-se num outro triângulo quase justaposto ao primeiro – o al-Kibla, o al-Djuf, o Norte.” p. 92. Al-Djuf – s.m. Uma das divisões da Espanha, segundo a geografia árabe, correspondente à região Norte. “Os reinos dos cristãos, por seu turno, situam-se num outro triângulo quase justaposto ao primeiro – o al-Kibla, o al-Djuf, o Norte”. p. 92. Alcáçova – 1. Fortificação. 2. Palácio antigo. “Terão reparado na alcáçova (...)” p. 101; Alcáçovas – “(...) não era falta de vontade dos qaid das alcáçovas (...).” p. 17. Alcaria – Aldeia, lugarejo, vila. “Mais adiante, um pequeno povoado, uma alcaria de iemenitas (...).” p. 102. [Alecrim] – Alecrins “(...) mas não isenta de uma certa beleza bravia e intocada, com sua vegetação rasteira e xerófila de (...) alecrins (al-liklil) e rosmaninhos (...).” p. 102. [Aljama] – Conselho de judeus ou de mouros na Espanha durante a Idade Média, juderia ou mouraria. Aljamas – “(...) exaustos das intrigas dos conselhos (aljamas) (...).” p. 103. [Almogavre] – 1. Guerreiro que lutava emboscado nas matas. 2. Militar de cavalaria. Al-mugauir – “(...) os al-mugauir – guerreiros predadores que irrompiam a galope, de surpresa, pelos descampados da charneca (...).” p. 103; Almogávares – “(...) o nome tinha sua razão de ser no vocábulo almogávares (...).” p. 103. [Almorávida] – Almorávidas – s.m. “(...) seu filho Ali era agora o chefe supremo dos Almorávidas (...)” p. 17; adj “(...) não era falta de vontade dos militares almorávidas” p. 17. [Árabe] – Árabes – “(...) os magrebinos africanos, os sírios, os árabes e os egípcios, estes predominantes em Lisboa.” p. 93. Arabesco – “(...) minhocas (...) que se contorcem (...) em formas de arabesco.” p. 104; Arabescos – “Durante algum tempo acompanhamos os arabescos desenhados pelo rio ‘do Emir’ (...).” p. 102. Aval – “Será que o próprio Ali Yusuf dá aval solidário com seu tio Tamin?” p. 17. Berbere – “(...) um velho berbere (...) observa (...) o funcionamento do novo moinho hidráulico (...).” p. 104, “(...) não deixaria de impor ao pobre berbere a condição draconiana de (...) exigir para o seu bolso metade dos proventos (...).” p. 104; Berberes – “(...) a guerra fratricida (...) muito facilitou a vitória dos berberes (...).” p. 92. Carmesim – “(...) acrescenta Ordoña, ansiosa, carmesim e esfomeada pela longa cavalgada.” p. 103. Ceifa – “(...) já pronto para a ceifa.” p. 102. Corânico – “(...) meu pai havia-me aconselhado a estudar Direito Corânico, História da Arte e Matemática.” p. 18; Corânica – “Mas... e a proibição corânica dos juros?” p. 17. Dar-el-Harb – s.m. Na Teologia Islâmica, regiões não-muçulmanas, literalmente ‘território de guerra’, opondo-se ao Dar-el-Islam. “(...) o cenário bélico é constituído pelos dois triângulos orientais – o do norte (o dar-el-Harb), e o do sul, muçulmano (o dar-el-Islam) (...).” p. 92. Dar-el-Islam – s.m. Literalmente, ‘Território da Paz’, na Teologia Islâmica, correspondente às áreas onde o Islã domina, em oposição ao Dar-el-Harb. “(...) o cenário bélico é constituído pelos dois triângulos orientais – o do norte (o dar-el-Harb), e o do sul, muçulmano (o dar-el-Islam) (...).” p. 92. Dhimma – s.f. Proteção dada a não-muçulmanos governados por islamitas e aos quais se aplicam impostos especiais (jizya), restrição à liberdade religiosa e obrigatoriedade de ser leal ao estado islâmico instituído. “(...) assegurando igual proteção a todos, a chamada dhimma, em contrapartida de simbólicos tributos de capitação (jizya) e sobre o usofruto de terra (kharâj).” p. 93. Djundis – s.m. soldados árabes. “(...) foi este manto protetor que permitiu que o al-Andalus fosse considerada a Hispania de las Tres Naciones, ou de las Tres Religiones, em que coexistiam todas as gentes do Livro: (...) os djundis iemenitas (concentrados em Silves e Faro – Xanta Mariza Ibn Hârum), os magrebinos africanos (...).” p. 93. Emir – “Odemira (...) – Trata-se de um topônimo evidente, formado pelos vocábulos ‘ode’(uade, rio) e ‘mira’ (de emir, chefe, príncipe) (...) p. 101, “(...) logo, a terra do rio do Emir.” p. 101, “(...) teimava em ver no nome de Odemira, não um tributo a um emir muçulmano (...).” p. 101, “(...) arabescos desenhados pelo rio do Emir (...)”p. 102, “(...) a foz do meu rio, de que sou o emir (...).”p. 105. Gharb – s.m. ocidente. “(...) Samarra, situada no gharb do Gharb – no extremo ocidental da parte ocidental do al-Andalus (...).” p. 91. Hammam – s.m. Banho público árabe. “Continuamos no hammam, nessa atmosfera íntima, úmida e perfumada, que convida a sonhos, a reminiscências.” p. 17. [Iemenita] – Iemenitas – “(...) os djundis iemenitas (concentrados em Silves e Faro – Xanta Mariza Ibn Hârum) (...).” p. 93, “(...) uma alcaria de iemenitas (descendentes daqueles chegados há trezentos anos como escravos nos exércitos de Mussa) (...).” p. 102. Islão – “Que valores poderiam contrapor os valores do Islão (...)?” p. 94. Islâmico – “Usa-se o calendário islâmico ou o cristão?” p. 17, “(...) acha oportuno fazer a apologia do ambiente de tolerância trazido pelo mundo islâmico (...).” p. 92. [Magrebino] – s.m. Natural ou habitante do Magreb, o poente árabe, região mais ocidental do mundo árabe. Magrebinos – “(...) coexistiam todas as gentes ‘do Livro’: (...) os magrebinos africanos, os sírios, os árabes (...).” p. 93. Maqbara – s.f. 1. Túmulo. 2. Cemitério, acepção com que ocorre no corpus. “Junto à alcaria, avistamos a maqbara (...), o necrotério onde os anciãos (...) jazem em decúbito lateral direito e com a cabeça virada a sudeste, em linha reta com Meca.” p. 103. [Moçárabe] – Moçárabes – “Deparamo-nos (...) com humildes cabanas de adobe de famílias moçárabes (...).” p. 102. Muçulmano – “(...) o cenário bélico é constituído pelos dois triângulos orientais – o do norte (o dar-el-Harb), e o do sul, muçulmano (o dar-el-Islam) (...).” p. 92, “(...) negociaram em Ceuta o auxílio muçulmano (...).” p. 93, “(...) teimava em ver no nome de Odemira, não um tributo a um emir muçulmano (...).” p. 101. Qaid – s.m. Alcaide, antigo administrador de província ou palácio. “(...) não era falta de vontade (...) dos qaid das alcáçovas (...)”. p. 17. Taipa – “(...) transformar o flácido e merdoso barro de hoje, a terrosa taipa, no duríssimo bronze de amanhã requer moeda (...).” p. 17. [Tâmara] – Tâmaras “- Que pena – murmura Fátima – servindo-me um suco de tâmaras com hortelã. (...).” p. 18. Já nos excertos da obra Vida Dupla (ALSANEA, 2007) que constituem o corpus desta pesquisa encontraram-se os seguintes vocábulos árabes e arabismos portugueses: Abaya – Túnica feminina, longa e negra, usada em países árabes. “(...) desde a abaya até o véu sobre os cabelos (...).” p. 27, “(...) ficava uma gracinha com pregas e dobras da vasta abaya negra envelopando suas roupas (...)” p. 212; Abayas – “As demais usavam abayas bordadas.” p. 25, “Além das abayas, as garotas usavam lithaams de seda preta (...)” p. 25, “(...) balançando os ombros sob as abayas (...).” p. 25; Miniabaya –.”(...) cobrindo-se com uma miniabaya preta feminina (...).” p. 212. Açúcar – “(...) arrancara todo e qualquer pêlo (...) do corpo com uma pasta pegajosa de açúcar (...).” p. 25. Alcorão – “(...) nação regida única e exclusivamente pela lei derivada do Alcorão (...).” p. 204. Allah Akbar – s.m. Exclamação muçulmana. “(...) fazendo a invocação inicial do Allah Akbar, Deus é grande, (...).” p. 213. [Árabe] – Árabes – adj. “(...) como já acontecera com os convites para as premiações árabes.” p. 204. [Beduíno] – Beduínos – “(...) os antigos nomes beduínos (...).” p. 27. Bisht – Tradicional veste árabe masculina, popular em países do Golfo Pérsico e em outros países árabes, em geral usada em ocasiões especiais, como casamentos, festivais e na prece de sexta-feira. “(...) a única diferença do noivo para os convidados é a cor do manto comemorativo bisht.” p. 215. Enxoval – “(...) afora as muitas excursões ao shopping com Lamees para finalizar o enxoval.” p. 213. Eqal – Aro usado sobre o shimagh para evitar que este caia. “(...) levava na cabeça um pano, parecido com um grande lenço, shimagh, e um aro, eqal, com o qual o lenço ficava perfeitamente assentado.” p. 25. Garrafa – “(...) tomaram juntas uma garrafa inteira de champagne caro.” p. 28, “Afinal, o casamento de Gamrah merecia uma garrafa de Dom Perignon, não?” p. 28. Halawa – s.f. No texto, pasta a base de açúcar usada em processo depilatório. “(...) arrancara todo e qualquer pêlo (...) do corpo com uma pasta pegajosa de açúcar, a halawa (...).”p. 25. Hammam – s.m. Banho público árabe. “(...) chegou corada (...) porque acabara de fazer uma esfoliação no hammam marroquino (...).” p. 25. Hijazi – s.m. Nativo ou habitante da região ocidental da Arábia Saudita. “Como muitos homens e mulheres hijazi (...).” p. 28, “Como tem sorte a garota que agarra um hijazi!” p. 214, “Aliás, vocês repararam como são alinhados esses hijazi?” p. 215, “Todos os noivos hijazi que eu já vi usavam uma cavanhaque igualzinho, discreto.” p. 215; Hijazis – “Como muitos hizajis (...).” p. 212, “Interessante notar que os najdis têm uma prática exatamente oposta à dos hijazis.” p. 212. [Hookah] – Hookahs – Instrumento para fumar tabaco no qual a fumaça é resfriada e filtrada ao passar por água. “(...) uma lojinha que vendia narguilé, que também chamamos de shisha ou de hookahs e hubbly-hubbly.” p. 27. var. Shisha, hubbly-hubbly, narguilé. Isamah – “(...) às vezes aparecia em seu kandurah branco (...) e o seu turbante isamah.” p. 205. Isha – Uma das orações diárias do Islamismo. “(...) após a chamada para a prece Isha, que anunciava o cair da noite.” p. 26, “(...) precedidas pelas orações isha (...).” p. 213. Islâmico – “(...) não conseguiu acreditar que (...) considerasse a Arábia Saudita o único país islâmico do mundo!” p. 204, “(...) o simples fato de um país ser ‘muçulmano’ não significa necessariamente que ele seja um país ‘islâmico’.” p. 204; Islâmicos – “(...) os Emirados Árabes Unidos eram igualmente islâmicos (...).” p. 204; Islâmica – “(...) as bebidas alcoólicas são proibidas pela lei islâmica (...).” p. 28, “Outras nações muçulmanas podem buscar na shari’ah islâmica seus princípios e noções básicas (...).” p. 204. [Jarrinha] – Jarrinhas – “(...) as amigas enfileiraram as jarrinhas de cerâmica (...).” p. 24. Kandurah – s.m. Veste masculina tradicional nos Emirados Árabes Unidos, cuja cor varia conforme a estação: branca no verão, cinza ou marrom no inverno. “(...) às vezes aparecia em seu kandurah branco (...) e o seu turbante isamah.” p. 205. Kohl – Maquiagem para delinear olhos, kajal. “(...) a beleza dos olhos delineados com kohl (...).” p. 25. [Lithaam] – Lithaams – Peça do vestuário feminino árabe que cobre a parte inferior do rosto até os olhos. “(...) as garotas trajavam lithaams de seda preta que tudo cobriam, do nariz ao pescoço (...).” p. 25. Marroquino – “(...) chegou corada (...) porque acabara de fazer uma esfoliação no hammam marroquino (...).” p. 25. Mesquita – “(...) na enorme mesquita no centro da cidade.” p. 212, “Ela sempre levava Saleh à mesquita quando ia rezar (...).” p. 212, “(...) a fim de chegar a tempo para as preces (...) na mesquita (...).” p. 213. Midwakh – Pequeno cachimbo de origem árabe no qual se fuma tabaco iraniano, misturado com folhas, cascas de árvore e ervas. “(...) fumando seu cachimbo popular nos Emirados, midwakh (...).” p. 205. Milkali – s.m. Período entre a assinatura do contrato nupcial e a celebração do casamento. “(...) teve um curto noivado, mas um longo período entre a assinatura do contrato matrimonial e a festa em si. O primeiro durou três semanas, o segundo, o milkali, quatro meses.” p. 212. Muassel – Mistura de tabaco e xarope, geralmente de mel ou melaço, para ser fumada no hookah. “(...) o pai de Lamees era viciado em shisha e muassel.” p. 28, “Até Gamrah experimentou o muassel, considerado impróprio entre as mulheres najdi (...).” p. 28. Muçulmano – “(...) o simples fato de um país ser ‘muçulmano’ não significa necessariamente que ele seja um país ‘islâmico’.” p. 204; Muçulmanas – “Outras nações muçulmanas podem buscar na Shari’ah islâmica seus princípios e noções básicas (...).” p. 204. Najdi – Nativo ou habitante da região central da Arábia Saudita. “(...) nenhum rapaz hoje em dia se chamava Obaid ou Duyahhim, os antigos nomes beduínos najdi.” p. 27, “Até Gamrah experimentou o muassel, considerado impróprio entre as mulheres najdi (...).” p. 28, “Juro por Deus que um najdi é capaz de matá-la se ela pedir (...).” p. 214; Najdis – “Interessante notar que os najdis têm uma prática exatamente oposta à dos hijazis.” p. 212. Narguilé – Cachimbo de água. “(...) uma lojinha que vendia narguilé, que também chamamos de shisha ou de hookahs e hubbly-hubbly.” p. 27. var. shisha, hookahs, hubbly-hubbly. Qiyam – Oração noturna. “(...) a fim de chegar a tempo para as preces no terço final da noite, as opcionais Qiyam (...).” p. 213. Ramadã – s.m. Nono mês do calendário islâmico, no qual se pratica o jejum ritual. “(…) no quinto dia do mês de Shawwal, o seguinte ao Ramadã (...).”p. 212, “Durante todo o Ramadã, os preparativos andaram a pleno vapor (...).” p. 212, “(...) após fazer suas preces noturnas do Ramadã (...).” p. 212, “Raramente os shoppings abriam de dia durante o Ramadã, mas funcionavam à noite, até três ou quatro da madrugada, o mês inteiro.” p. 212, “(...) embora nos últimos dez dias do Ramadã essa volta fosse antecipada em uma ou duas horas (...).” p. 213. [Rial] – Riales – Moeda da Arábia Saudita. “(...) ao pequeno shillah patrocinador da festa caberiam as despesas, que não ficariam por menos de alguns milhares de riales.” p. 25, “O rapaz perguntou se ela o deixaria entrar com o grupo na condição de parente, e ofereceu, em troca do privilégio, mil riales (pouco mais de 250 dólares).” p. 26, “(...) ele deu a ela duas notas de quinhentos riales (...).” p. 27. Saudita – “(...) escurecer os vidros do carro seria proibido pela lei saudita mais tarde.” p. 26 Shari’ah – Código de leis do Islamismo. “A Arábia Saudita é a única nação regida (...) pela lei derivada do Alcorão e pelos ensinamentos do Profeta (...) quanto à aplicação dessa lei – a Shari’ah – a todos os aspectos da vida.” p. 204, “Outras nações muçulmanas podem buscar na Shari’ah islâmica seus princípios e noções básicas (...).”p. 204. Shawwal – Décimo mês do calendário muçulmano em cujo 1º dia se comemora o Eid ul-Fitr (fim do Ramadã). “(…) no quinto dia do mês de Shawwal, o seguinte ao Ramadã (...).” p. 212. Shillah – No texto, grupo de amigos. “Bem antes do casamento, a panelinha – o shillah – havia feito preparativos especiais para a própria pré-comemoração íntima.” p. 24, “E, claro, ao pequeno shillah patrocinador da festa caberiam as despesas (...).” p. 25. Shimagh – s.m. peça do vestuário masculino árabe para cobrir a cabeça, fabricado em cores e padrões variados. Os sauditas geralmente usam o padrão vermelho e branco, o resto do mundo árabe usa preto e branco. “(...) levava na cabeça um pano, parecido com um grande lenço, shimagh, e um aro, eqal, com o qual o lenço ficava perfeitamente assentado.” p. 25, “Hoje em dia, shimagh e thobe são feitos por grifes famosas (...).” p. 25, “(…) e a cabeça coberta por um shimagh tradicional.” p. 212. Shisha – s.f. cachimbo no qual o fumo passa por água. “(...) uma lojinha que vendia narguilé, que também chamamos de shisha ou de hookahs e hubbly-hubbly.” p. 27, “(...) o pai de Lamees era viçado em shisha e muassel.” p. 28; Shishas – “(...) compraram um número de shishas suficiente para que não precisassem dividi-las e cada uma escolheu o sabor de tabaco que mais lhe agradou para o cachimbo, misturando-o com melaço e essências aromáticas.” p. 27, “(...) se reuniam duas ou três noites por semana para fumar suas shishas (...).” p. 28, “Só que as shishas do pai o acompanhavam aonde quer que ele fosse.” p. 28, “Por isso, as garotas prepararam as shishas recém-compradas no interior da tenda e a empregada ativou o carvão.” p. 28 var. hookahs, hubbly-hubbly, narguilé. Tabaco – “(...) e cada uma escolheu o sabor de tabaco que mais lhe agradou para o cachimbo (...).” p. 27, “De todos, o tabaco com sabor de uva foi o que mais lhe agradou.” p. 28. Taggaga – s.f. cantora a pagamento. “(...) talvez implicasse na contratação de uma taggaga, uma cantora profissional, do tipo que no passado se apresentava acompanhada de um tambor, mas que agora trazia uma banda.” p. 24. Tambor – “(...) se apresentava acompanhada de um tambor (...).” p. 25. Tarawih – Literalmente ‘oração do descanso’, praticada no mês do Ramadã. “As preces Tarawih em Riad, opcionais e precedidas pelas orações Isha, costumam terminar entre oito e nove horas da noite (...).” p. 213. [Tarefa] – Tarefas – “Sadeem assumiu algumas tarefas leves (...).” p. 212, “Assim, Gamrah foi liberada para cuidar de suas tarefas (...).” p. 214. Thobe – s.m. Túnica, geralmente longa e com mangas compridas, similar ao robe. “(...) vestia uma espécie de sobretudo, o thobe, cortado ao estilo masculino (...).” p. 25, “Hoje em dia, shimagh e thobe são feitos por grifes famosas, como Gucci, Christian Dior, Givenchy e Valentino.”, p. 25, “(...) aparecia em seu kandurah branco, o equivalente nos Emirados Árabes ao thobe saudita (...).” p. 205. Turbante – “Jóias das famílias de turbante e ouro!” p. 28, “(...) às vezes aparecia em seu kandurah branco (...) e o seu turbante isamah.”p. 205. CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando-se a hipótese investigada, que correlaciona contextos distintos de contato (Idade Média Ibérica e contemporaneidade) à função dos empréstimos e estrangeirismos árabes na língua portuguesa, concluiu-se que os arabismos registrados na obra Al-Gharb são de antiga integração, encontrando-se, por isso, bem adaptados ao sistema lingüístico português (no que concerne à fonologia e à morfologia), de onde muitas vezes a inconsciência do falante quanto à sua origem. Resultam de contato antigo, direto e duradouro, daí os empréstimos excederem em número os estrangeirismos, bem como os superam na quantidade de campos semânticos que integram, concernentes a aspectos diversos da vida cotidiana. Os estrangeirismos, como previsto, referem-se apenas a particularidades político-culturais e religiosas do mundo árabe-muçulmano. Na obra Vida Dupla, os empréstimos têm as mesmas características daqueles verificados em Al-Gharb, e também se encontram em 11 campos semânticos. Ocorrem em Vida Dupla por integrarem a língua comum ou para designarem aspectos do mundo islâmico de longa data conhecidos por lusofalantes. Os estrangeirismos, entretanto, superam-nos numericamente e integram quase o dobro de campos semânticos (09), comparados aos registrados em Al-Gharb (05). Decorrem de contato mais recente, propiciado pelas novas tecnologias da comunicação, um contato, portanto, indireto, de que resultam empréstimos culturais. Com efeito, designam exclusivamente especificidades da cultura médio-oriental reportadas na obra. Concluiu-se, assim, pela corroboração da hipótese testada, evidenciando-se, ainda, haver camadas superpostas de arabismos na língua portuguesa, as quais, em sucessivos contextos sócio-históricos de contato luso-árabe, enriquecem continuamente o seu léxico.

Apresentação

Este blog foi criado para compartilhar informações acerca das conseqüências do contato entre as línguas árabe e portuguesa verificado em 03 contextos específicos: a Península Ibérica medieval, o Brasil escravagista e o Brasil da imigração.
A este tema se dedica a autora deste 1992, quando se apaixonou pelo assunto ao preparar o trabalho de conclusão da disciplina Filologia Românica II (sobre o domínio lingüístico ibérico) na graduação em Letras na Universidade Federal da Bahia.
O referido trabalho, sobre o vocábulo azulejo, descortinou um mundo aparentemente perdido, europeu e medieval, mas que, em verdade, continua vivo no Português Brasileiro, nos arabismos transplantados com o Português Europeu, aos quais se juntaram outros, adquiridos já na Terra Brasilis, por meio de escravos islamizados e de imigrantes arabófonos que ainda hoje chegam ao nosso país.
Os arabismos do Português Brasileiro requerem investigação pautada na etnolingüística e na sociolingüística do contato intercomunitário, complementando o que a literatura especializada já documenta, mas que se restringe aos arabismos ibéricos, mencionando, quando muito, o influxo lexical da migração sírio-libanesa no Brasil.