quarta-feira, 16 de setembro de 2009

ANTIGA PRESENÇA NA LP

Considerando-se o fim do Império Romano em 476; a chegada, em 711, dos muçulmanos ao território que antes constituía a antiga província Hispania; a data de um dos primeiros documentos em língua portuguesa, o Testamento de Afonso II, de 1214, e a expulsão dos muçulmanos das terras hoje portuguesas em 1249/1253, tem-se que muito cedo e por mais de meio milênio o romance hispânico/língua portuguesa esteve em contato direto e sofreu influência da língua do conquistador islâmico.
Elia apresenta, como curiosidade, o registro mais antigo de um arabismo, alvende ou albende, ‘bandeira, flâmula militar’, de 870 (ELIA, 2004, p. 107).
Integração tão precoce levou os vocábulos emprestados a sofrerem as mesmas transformações fonéticas e morfológicas verificadas nos vocábulos latinos em sua evolução para o neolatim (VASCONCELOS, 1956, p. 300), o que, por certo, concorreu para a não percepção da sua origem oriental.
Observe-se que, se os germanismos na língua portuguesa somam 50 vocábulos e os arabismos pelo menos 300 itens lexicais, de imediato se calcula a superioridade numérica destes últimos na razão mínima de 1: 6.
Sendo inequívoca a sua presença no léxico português, pode surpreender o seu uso cotidiano, exemplificados pelos vocábulos a seguir (VARGENS, 2007):

achaque afagar algazarra algema almofada
alvará alvoroço andaime anil argola
armazém azar babucha baque bodoque
cabide cacife café calibre capuz
chafariz debalde divã enxaqueca enxoval
fatia fulano garrafa giz harém
jarra leilão magazine máscara mesquinho
nuca recamar refém resma safeno
soda sofá sucata tabefe taça
taipa talco tara tarefa tarifa
tarimba tripa xadrez xarope zarabatana


Referências
ELIA, S. Preparação à lingüística românica. Rio de Janeiro: Acadêmica, 1974.
FREITAS, T.; RAMILO, M. C.; SOALHEIRO, E. O processo de integração dos estrangeirismos no português europeu. 2003.
LAPESA, R. Los árabes y el elemento árabe en español. In: LAPESA, R. Historia de la lengua española. Prólogo de Ramón Menéndez Pidal. 9. ed. corregida y aumentada. 7. reimpressión. Madrid: Gredos, 1991. p. 129-156. [Biblioteca Românica Hispânica, Dirigida por Damaso Alonso, Manuales, 45]
LÜDTKE, H. Historia del léxico románico. Versión española de Marcos Martínez Hernández. Madrid: Gredos, 1974.
MACHADO, J. P. Ensaios arábico-portugueses. Lisboa: Notícias, 1997.
MACHADO, J. P. Influência arábica no vocabulário português. Lisboa: Revista de Portugal, 1950. v. 1.
MENÉNDEZ-PIDAL, R. Orígenes del español: estado lingüístico de la Península Ibérica hasta el siglo XI. 3. ed. muy corregida y adicionada. Madrid: Espasa Calpe, 1950. p. 415-440. (Obras Completas, v. VIII).
TEYSSIER, P. História da língua portuguesa. Trad. por Celso Cunha. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 43-44.
VARGENS, J. B. de M. Léxico português de origem árabe: subsídios para os estudos de filologia. Rio Bonito: Almádena, 2007.
VASCONCELOS, C. M. de. Lições de filologia portuguesa. Lisboa: Revista de Portugal, 1956.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Apresentação

Este blog foi criado para compartilhar informações acerca das conseqüências do contato entre as línguas árabe e portuguesa verificado em 03 contextos específicos: a Península Ibérica medieval, o Brasil escravagista e o Brasil da imigração.
A este tema se dedica a autora deste 1992, quando se apaixonou pelo assunto ao preparar o trabalho de conclusão da disciplina Filologia Românica II (sobre o domínio lingüístico ibérico) na graduação em Letras na Universidade Federal da Bahia.
O referido trabalho, sobre o vocábulo azulejo, descortinou um mundo aparentemente perdido, europeu e medieval, mas que, em verdade, continua vivo no Português Brasileiro, nos arabismos transplantados com o Português Europeu, aos quais se juntaram outros, adquiridos já na Terra Brasilis, por meio de escravos islamizados e de imigrantes arabófonos que ainda hoje chegam ao nosso país.
Os arabismos do Português Brasileiro requerem investigação pautada na etnolingüística e na sociolingüística do contato intercomunitário, complementando o que a literatura especializada já documenta, mas que se restringe aos arabismos ibéricos, mencionando, quando muito, o influxo lexical da migração sírio-libanesa no Brasil.