Na sua Rebelião Escrava no Brasil: História do Levante dos Malês em 1835, o historiador João José Reis apresenta um glossário de termos muçulmanos e africanos (REIS, 2003, p. 605-607), buscados, provavelmente, nos depoimentos dos africanos envolvidos na revolta, nos quais abordam diferentes aspectos da sua vida social, cultural e religiosa, e nos relatos policiais decorrentes desse evento e que, juntos, constituem as fontes primárias da sua pesquisa (REIS, 2003, p. 10,11). Não se tratando de investigação lingüística, o autor não descreve a metodologia empregada na elaboração do glossário e deixa, por vezes, de informar a língua a cujo sistema lexical um vocábulo pertence ou o seu étimo. Entretanto, o glossário é precioso testemunho da ocorrência de arabismos nas línguas africanas então faladas pelos escravos islamizados na Bahia, conforme demonstram os exemplos a seguir.
Dos 58 vocábulos e/ou expressões compilados no glossário de termos muçulmanos e africanos, 23 (39,65%) são seguramente estrangeirismos de origem árabe (09 itens ou 15,51% do total das formas registradas) ou arabismos africanos (14 vocábulos ou 24,13% dos registros), isto é, empréstimos árabes em línguas africanas. Para a maioria destes últimos, há formas correspondentes em língua portuguesa. Alguns dos registros são arabismos portugueses (08 termos ou 13,8% dos vocábulos apresentados).
Constituem estrangeirismos os vocábulos baraka, ‘benção, poder espiritual, místico’; Jamā’a, ‘comunidade muçulmana’; jihād, ‘guerra santa’; Lailat al-Miraj ‘noite da ascensão do profeta Maomé ao céu’; Lailat al-Qadr, ‘Noite da Glória, Noite do Poder ou Noite do Destino, uma das festas com que se celebra o fim do Ramadã’; Qur’ān ou Al-Qur’ān, ‘livro sagrado do Islamismo’; shari’a ‘lei revelada nas escrituras’; tariqa, ‘caminho, irmandade ou ordem sufi’. Há um vocábulo híbrido, árabe-haussá, babba malami, ‘grande malām’.
Apresentam-se, a seguir, os arabismos africanos registrados no glossário, com a indicação, se fornecida, da(s) língua(s) em que ocorrem (entre parênteses), e o vocábulo correspondente em língua portuguesa: ajami – aljamia; alijano – (iorubá) aligenum; almami – imã; alufá, àlùfáà – (iorubá, sudanês ocidental alfa) alufá; anjonu – (iorubá) aligenum; Basmalah – bissimilai (bi-si-mi-lai), bismela; imàle, imàle, imole, imònle – (iorubá) malê; Jinn, djin – djim, djin; kaferi – (iorubá) cafre; malām, malami, málàmi [pl. malamai] – (haussá) malê; marabout – marabuto; mussulmi – (haussá) muçulmi, muçulmin, muçurumim, muçumirim, muslim, mussurumi; shehu – (haussá) xeque.
Um dos arabismos africanos não tem equivalente em português: àllo (haussá), ‘prancheta para escrever’.
Em português, há: imã; limano – (< iorubá lemomo e este do ár. al-imām) Tem por variantes limano, limamo, lemano, lemane, lamane, almámy, el-imámy, imã; malê – (< iorubá imàle ou imole e estas do ár. mu’allim); muezim; sufi; sura, tessubá – tecebá, tessebá, teçubá, tessubá e xeque. Assim, dentre os 31 vocábulos e/ou expressões originados na língua árabe apresentados no glossário, 29 % estão em língua árabe; 45,2 % são arabismos verificados em línguas africanas e 25,8% constituem arabismos portugueses. Analisou-se o registro deste vocabulário nas obras Falares Africanos na Bahia: um Vocabulário Afro-Brasileiro (PESSOA DE CASTRO, 2009) e Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (LOPES, 2004), com o intuito de identificar a origem – africana ou árabe – atribuída ao mesmo. Registram-se, em Falares Africanos na Bahia, 05 vocábulos: alijeno (haussá àljànu, àlujànún); alufá (kwa, iorubá àlúfá > fon alufa); imã (kwa, fon/iorubá ìmàn < haussá imami); limano (haussá, identificado como arcaico, apresentando, ainda, a variante limani) e malê (kwa, fon malè, iorubá ìmalè).
Na Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, encontram-se 13 destas formas: alijenum (haussá alijannu, equivalente ao iorubá àlùjanun); alufá (<ár. alfa, através do iorubá alufa); anjonu (registrando ainda awanjonu, sem indicação de origem); baraka (sem indicação de origem); Bissimilai (sem atribuição de origem); cafres (“parece” ter origem no ár. kaffir); jihād (sem indicação de origem); limane (< haussá liman, registrando, ainda, limano); malê (< iorubá ìmale); marabu (sem atribuição de origem); muezim (sem atribuição de origem); alcorão (sem indicação de origem) e tessubá (
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